sexta-feira, 29 de junho de 2012

DETERMINANTES SOCIAIS NA SAÚDE, NA DOENÇA E NA INTERVENÇÃO




Determinantes da Saúde - Dahlgren e Whitehead - Fonte:Jairnilson Silva Paim


Em termos práticos, pode-se admitir que a definição de uma política de saúde deve repousar sobre três conceitos básicos:

  • A compreensão de que a saúde resulta de um processo de interação contínua entre o indivíduo e o ambiente físico e social em que vive;
  • O entendimento de que boas condições de saúde consistem em uma responsabilidade compartilhada por todos, indivíduos e poder público; e de que
  • A saúde é um investimento para a sociedade como um todo, e que a diminuição das desigualdades em saúde no país resulta não apenas na efetivação de um compromisso ético, mas também em elemento de desenvolvimento e progresso para toda a nação(Canadá, 1994).

“PROMOÇÃO DA SAÚDE: EM BUSCA DE NOVO PARADIGMA1

A frustação com os resultados da biomedicina, crescentemente caudatária dos interesses do complexo médico industrial, e responsável ela própria por provocar riscos e danos, fez com que surgisse, a partir sobretudo dos anos 60 do século passado, e em várias partes do mundo ocidental, um pensamento crítico ao modelo e voltado para revalorizar as dimensões sociais e culturais determinantes do processo saúde-enfermidade, ultrapassando o foco exclusivo de combater a doença somente depois de instalada: 1a Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá, em 1986.
O que caracteriza a promoção de saúde modernamente é considerar como foco da ação sanitária os determinantes gerais sobre a saúde. Saúde é assim entendida como produto de um amplo espectro de fatores relacionados à qualidade de vida, como padrões adequados de alimentação e nutrição, habitação e saneamento, trabalho, educação, ambiente físico limpo, ambiente social de apoio a família e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro adequado de cuidados de saúde.
A retórica baseada nas determinações sociais e culturais do processo saúde-doença e na necessidade de estratégias de conquista da saúde baseadas nas intervenções  além das práticas médico-assistenciais  logrou induzir práticas inovadoras, tanto no campo da intersetorialidade como no campo da educação e mobilização por mudanças de comportamentos, principalmente estas últimas.Práticas de aconselhamento, acolhimento, práticas coletivas saudáveis (exercício, alimentação), além de esforços pela responsabilização e conscientização dos cidadãos (empowerment), começam a compor a agenda de práticas dos serviços de saúde. As práticas de aconselhamento entram nos consultórios médicos e ocupam hoje grande parte do tempo de consulta dos bons profissionais e serviços médicos (inclusive na clínica privada).
Embora freqüentemente exitosas em nível local, as experiências de intersetorialidade tiveram pouco alcance geral e pouco impacto sobre as desigualdades sociais e sanitárias, em razão de sua baixa possibilidade de influir sobre os determinantes sociais de caráter mais estrutural, produzidos por políticas econômicas geradoras de pobreza, desemprego e risco social em geral.
Na verdade, o discurso excessivamente geral da promoção da saúde tem gerado diferentes matrizes de pensamento e prática.
Nos países do Primeiro Mundo a tendência é a ênfase nas mudanças de comportamento, na esfera dos indivíduos, e nas regulações sociais orientadas a livrar as coletividades de riscos assumidos por indivíduos (tabagismo, drogas, atividades físicas, alimentação).
Mesmo neste terreno, hoje se considera que medidas educativas e legislativas são insuficientes para enfrentar com efetividade alguns desses grandes problemas. Sendo fruto dos complexos e mórbidos processos sociais e culturais da humanidade contemporânea (industrialização predadora, saturação urbana, cultura consumista de massas), esses riscos e doenças precisariam ser enfrentados não apenas com políticas de saúde produtoras  de atenção, educação, etc., mas também por meio de políticas reguladoras da própria atividade econômica.
Assim como a adição compulsória de iodo ao sal marinho comercializado acabou com o hipotireoidismo endêmico (bócio) e a adição de cloro e – mais recentemente – flúor aos sistemas de abastecimento de água permitiram a redução drástica da ocorrência de veiculação hídrica e da cárie dental, é possível pensar que o controle da epidemia da obesidade, da hipertensão, das doenças cardiovasculares e da diabetes, por exemplo, exijam políticas de industrialização de alimentos que regulem  e moderem a presença de patógenos nos alimentos industrializados, como gorduras insaturadas, sal , açúcar refinado, etc.(Kickbush, 2003).
Na América Latina, as idéias movimento a promoção da saúde encontraram uma realidade de pobreza e desigualdade que, desde logo, impôs um deslocamento do foco para as questões estruturais.
Mais do que práticas educativas voltadas para a mudança comportamentais, a promoção da saúde na América Latina priorizou os processos comunitários voltados para mudanças sociais. Ademais, desde os anos 70 desenvolvia-se na região um movimento crítico ao modelo médico hegemônico que, com base numa abordagem estruturalista e numa pedagogia libertadora, foi refinando um campo de pensamento e prática que viria a se consolidar no Brasil como o campo da saúde coletiva. Nos anos 80, tal movimento plasmou o programa da Reforma Sanitária brasileira, orientado pelo princípio da construção social da saúde, da universalização e equalização do acesso não só aos serviços, mas aos demais meios de obtenção de saúde (Carvalho, Westphal & Lima, 2007).
Por isso foi cunhada a expressão ‘promoção de saúde radical’ para expressar que o movimento canadense aqui, na América Latina e no Brasil deve aplicar-se de forma associada à perspectiva da mudança social (Buss, 2003).
Apesar da existência de uma variedade de tendências, seja na promoção da saúde, seja na saúde coletiva, pode-se considerar que elas apresentam uma convergência estratégica como projetos de construção social da saúde (Carvalho, 2005).

No Brasil, Grupo de Trabalho sobre Promoção da Saúde e Desenvolvimento Social da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) define a sua agenda em três planos da terminação do processo saúde-doença:
  • Plano da Atenção à saúde, envolvendo esforço de mudança da lógica assistencial e dos modelos de gestão, no rumo de favorecer a autonomia dos sujeitos;
  • Plano da gestão das políticas públicas, envolvendo o esforço de intersetorialidade, o combate à fragmentação de ações e programas, a mobilização de organizações governamentais e não governamentais;
  • Plano da política (modelo) de desenvolvimento, envolvendo a defesa de políticas  voltadas para a distribuição mais equânime dos recursos socialmente produzidos, para a solidariedade social e para a subordinação virtuosa da economia ao bem-estar e à vida com qualidade.


INIQÜIDADES EM SAÚDE: ENFRENTAR AS CAUSAS DAS CAUSAS

Na verdade, os avanços sanitários, que são reais, ainda ocultam  enormes desigualdades (em alguns casos, de forma crescente) na médias em que se apresentam.
As iniqüidades em saúde entre grupos e indivíduos, ou seja, aquelas desigualdades de saúde que, além de sistemáticas e relevantes, são evitáveis, injustas e desnecessárias, segundo definição de Margareth Whitehead (2004), são um dos traços mais marcantes da situação de saúde no Brasil e no mundo.
A mortalidade infantil, cuja média nacional em 2004 foi de 23,1 por mil nascidos vivos (NV), segundo dados do Ministério da Saúde, apresenta grandes disparidades regionais, observando-se taxas inferiores a dez por mil NV em alguns municípios do Sul e do Sudeste e valores maiores do que cinqüenta por mil NV em áreas do Nordeste.
Os filhos adolescentes de mulheres brasileiras com até um ano de escolaridade têm uma probabilidade 23 vezes maior de chegarem analfabetos à adolescência em comparação com os filhos de mulheres com 11 anos ou mais de estudo.
Há muito se reconhece que os principais determinantes dessas iniqüidades estão relacionados às formas como se organiza a vida social.
Muito se avançou na construção de modelos explicativos que analisam as relações entre a forma como se organiza e se desenvolve uma determinada  sociedade e a situação de saúde de sua população.
Um dos principais desafios desses modelos explicativos é o estabelecimento de uma hierarquia de determinações entre os fatores mais globais de natureza social, econômica, política e as mediações pelas quais estes fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas.
É esse complexo de mediações que permite entender por que não há uma correlação constante entre os macro-indicadores da riqueza de uma sociedade, como o Produto Interno Bruto (PIB), e os indicadores de saúde. Evidentemente, o volume de riqueza gerado por uma sociedade é um elemento fundamental para proporcionar melhores condições de vida e de saúde, mas há numerosos exemplos de países com PIB total ou PIB per capita bem superior a outros que, apesar disso, apresentam indicadores de saúde muito mais satisfatórios.
Nos últimos anos, aumentaram também em quantidade e qualidade os estudos sobre as relações entre a saúde das populações, as desigualdades nas condições de vida e o grau de desenvolvimento da trama de vínculos e associações entre indivíduos e grupos. Tais estudos permitem constatar que, uma vez superado um determinado limite de crescimento econômico de um país, um crescimento adicional da riqueza não se traduz em melhorias significativas das condições de saúde. A partir desse nível, o fator mais importante para explicar a situação geral de saúde  de um país não é sua riqueza total, mas a maneira como ela se distribui.
Em outras palavras, a desigualdade na distribuição de renda não é somente prejudicial à saúde dos grupos mais pobres, mas é também prejudicial à saúde da sociedade em seu conjunto.Grupos de renda média em um país com alto grau de iniqüidades de renda apresentam uma situação de saúde pior que a de grupos de renda inferior, mas que vivem em uma sociedade mais equitativa.
Um estudo comparativo entre os estados dos EUA revelou que os indivíduos que vivem em estados com grandes desigualdades de renda têm pior saúde que aqueles com renda semelhante, mas que vivem em estados mais igualitários (CNDSS, 2006).O Japão não é o país com maior expectativa de vida no mundo apenas por ser um dos países mais ricos ou porque os japoneses fumam menos  ou fazem mais exercício, mas porque é um dos países mais igualitários do mundo.

PORTO ALEGRE – INIQÜIDADES DE RENDA e CRIANÇAS – 2000

 

 


Iniquidade de renda - 2000 - POA

 


Densidade de Crianças por Km2 - POA

Região Leste maior densidade de crianças em POA


Um dos principais mecanismos pelos quais as iniqüidades de renda produzem um impacto negativo na situação de saúde é o desgaste do chamado CAPITAL SOCIAL, ou seja, das relações de solidariedade e confiança entre pessoas e grupos (CNDSS, 2006).
O desgaste do capital social em sociedades iníquas explicaria em grande medida por que sua situação de saúde é inferior à de sociedades  em que as relações de solidariedade são  mais desenvolvidas.
A debilidade dos laços de coesão social ocasionada pelas iniqüidades de renda corresponde a baixos níveis de capital social e de participação política.
Países com grandes iniqüidades de renda, escassos níveis de coesão social e baixa participação política são os que menos investem em capital humano e em redes de apoio social fundamentais para a promoção e proteção de saúde individual e coletiva.



Para refletir, amigo(a):
Você conhece o nível de iniqüidade de renda do seu município?
Como você acha que está o capital social de sua área de atuação?


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