quinta-feira, 28 de junho de 2012

DETERMINANTES SOCIAIS NA SAÚDE, NA DOENÇA E NA INTERVENÇÃO





Verdade e SUS


“O UNIVERSO É UM TODO NO QUAL NADA É IMÓVEL NEM MESMO A TERRA!”
“O CONTRÁRIO DISTO APARECE UNICAMENTE ÀQUELE QUE SÓ PERCEBE O ESTADO PRESENTE, COMO A BELEZA DE UM EDIFÍCIO NÃO SE MANIFESTA AO QUE OLHA APENAS UMA PARTE MÍNIMA DELE, COMO UMA PEDRA, UM PEDAÇO DE CIMENTO, UMA MEIA PAREDE, MAS PRINCIPALMENTE AO QUE PODE VER O CONJUNTO E QUE TEM CAPACIDADE PARA FAZER COMPARAÇÕES ENTRE AS PARTES!
                                                                                                    Giordano Bruno, Itália, 1548

“DA DISCÓRDIA, NASCE A MAIS BELA CONCÓRDIA!”
                                                                                    Heráclito de Éfeso – 535 a.C – 475 a.C


“SAÚDE PÚBLICA E VIDA SOCIAL: UMA ASSOCIAÇÃO HISTÓRICA1


Além de regulações pontuais no período de guerras o inovações na gestão das cidades visando o abastecimento e ao escoamento de dejetos, ocorridas em períodos anteriores, as políticas públicas para a saúde desenvolveram-se, de maneira organizada e sistemática, a partir do século XVII, durante a consolidação dos Estados Nacionais, quando a população passou a ser considerada um bem do Estado, que tinha interesse  na sua ampliação e na sua saúde, já que isso significava um aumento do poderio militar.
Pode-se dizer que é nesse momento que o cuidado público com a saúde nasce e se desenvolve como política de proteção contra os riscos sociais e ambientais, muito mais do que como política de assistência. Ou seja, a compreensão da determinação social da saúde e da doença é anterior à medicina científica ou medicina experimental.
Desde logo, criou-se um importante tradição de estudos, relacionando saúde, condições de vida(pobreza) e ambientes sociais e físicos.Especialmente desde os primórdios da industrialização nos países ocidentais, tem sido reportado por autores pioneiros uma importante literatura ´social´ sobre saúde e doença, centrada na tese de que desigualdades no campo social e econômico geravam desigualdades no campo da saúde.O médico e filósofo George Rosen, em sua monumental  História da Saúde Pública(1994), traça um panorama ao longo dos séculos documentando a associação da saúde pública com o processo de industrialização da Europa Ocidental, principalmente Inglaterra, França e Alemanha, registrando a estreira relação entre o desenvolvimento do capitalismo (industrialização e urbanização) e o desenvolvimento da saúde pública, tentando minorar os malefícios à saúde provocados pelo desenvolvimento capitalista.
As relações de influência recíproca entre saúde  e economia, estruturas sociais e política são historicamente associadas ao desenvolvimento da saúde pública. Diversos autores e atores da época dedicaram-se ao tema.Já no século XVIII, Johan Peter Frank publicou a célebre obra A Miséria do Povo, Mãe das Enfermidades, em que afirmava que a pobreza e as más condições de vida eram as principais causas de doença.Preconizava amplas reformas sociais e econômicas, não simplesmente ações sanitárias, insuficientes para atingir as causas das doenças(Sigerist, 1956). Desde a primeira metade do século XIX, na França (Villermé) e na Inglaterra (Chadwick), foram desenvolvidos vários inquéritos populacionais que documentaram de maneira definitiva a associação da mortalidade e da morbidade ao gradiente social, isto é, às condições de vida das diferentes classes e grupos sociais.Especialmente a Inglaterra, a partir da Comissão de Saúde das Cidades, tais resultados propiciaram políticas de manejo social e ambiental, voltadas para enfrentar o círculo vicioso da pobreza-doença.O interessante é que isso era feito não propriamente numa perspectiva de solidariedade social, e sim a serviço da estabilidade e do crescimento econômico.Na Alemanha, nos anos que precederam a revolução de 1848, Virchow liderou um movimento radical de reforma médica, orientado pela idéia de que a medicina  é uma ciência social e a política  não é mais do que a medicina em larga escala.
É o clássico o livro de McKeown & Lowe (1986) que demonstra que a redução da mortalidade na Inglaterra, ocorrida no século XIX e no início do XX, deve ser creditada mais a melhorias nas condições de vida (saneamento, nutrição, educação) do que a intervenções médicas específicas (vacinas e antibióticos).
São esses fatores que marcaram os primórdios da saúde pública na sociedade ocidental.
Por sua vez, o advento da microbiologia levou à chamada revolução pasteuriana, que ampliou  enormemente o conhecimento sobre os processos biológicos da saúde-doença e abriu uma era de progresso  científico sem precedentes, ao mesmo tempo que engendrou junto  com a Revolução Industrial  um grande incremento na complexidade das estruturas econômicas e sociais.De tal maneira que o novo arsenal de conhecimentos e tecnologias, produzidos a partir da biomedicina, desenvolveu-se numa formação social crescentemente complexa.
Todavia, ao lado de notáveis façanhas sanitárias, que permitiram o controle de inúmeras doenças infecciosas, a dimensão social e o pensamento social em saúde, paradoxalmente, ficaram adormecidos ou negligenciados por quase um século.

 
  





As diferentes visões sobre saúde – e sobre o que é estar sadio – não são apenas oriundas das necessidades físicas e mentais que cada um requer durante sua respectiva etapa no ciclo biológico, mas agregam valores culturais que, em nossa sociedade contemporânea, são cada vez mais difundidos pelos meios de comunicação de massa.

Dessa forma , as idéias sobre saúde e doença, seja do ponto de vista individual das pessoas, seja na ótica dos profissionais que trabalham na área, são mediadas por diferentes disciplinas do conhecimento , tais como:

·         Biomedicina – baseada no conhecimento científico sobre estruturas biológicas e de funcionamento do corpo humano;
·         Epidemiologia – ancorada nas análises sobre as causas e a distribuição  das doenças na população;
·         Ciências Socias – agregando conceitos derivados de estudos sobre as doenças e relações sociais;
·         Psicologia – enfocando a dinâmica dos processo mentais, pensamentos, sentimentos e atos (Davey, Gray & Seale, 2001).
Além disso, crescentemente, a abordagem em apenas um campo disciplinar torna-se insuficiente, sendo necessário um tratamento inter ou transdisciplinar. Essas mediações conduzem à elaboração de conceitos mais abrangentes sobre os determinantes da saúde e da doença.

Inspirando-se no processo de reforma do sistema de saúde canadense na década de 1970 e alimentando-se dele, cristalizou-se um modelo explicativo mais abrangente – o modelo do campo da saúde.
Campo da Saúde no SUS

Fatores de Risco Campo da Saúde Sus






Segundo ele, pode-se dizer esquematicamente que as condições de saúde dependem de quatro conjuntos de fatores:

  1. O patrimônio biológico;
  2. As condições sociais, econômicas e ambientais nas quais o homem é criado e vive;
  3. O estilo de vida adotado;
  4. Os resultados das intervenções médico-sanitárias, que tem importância relativa variável de acordo com o problema de saúde  em questão (Figura e Gráfico a seguir).

O campo biológico inclui aspectos físicos e mentais de base biológica, como patrimônio genético, os processos físicos e mentais de desenvolvimento e amadurecimento, e toda a fisiopatologia do organismo humano.
O segundo grupo consiste nas condições sociais, econômicas e ambientais nas quais fomos criados e vivemos, que reúnem um conjunto de fatores de expressão mais coletiva como acesso à educação, aos serviços urbanos, e toda uma gama de agentes externos, cujo controle individual é mais restrito.Por exemplo, a qualidade do abastecimento de água e dos produtos alimentares, a poluição atmosférica, entre muitos outros.
A categoria ‘estilo de vida’ compreende fatores sob maior controle dos indivíduos, como hábitos pessoais e culturais (fumo, dieta, exercícios físicos, etc.), cuja incorporação à vida da pessoa depende, em grande medida, da decisão de cada um.
No quarto conjunto de situações, encontra-se o sistema que a sociedade organiza para cuidar da saúde de seus cidadãos e responder às suas necessidades.Compreende os serviços de saúde, os hospitais e centros de saúde, os profissionais, o conjunto dos equipamentos e tecnologias.Tradicionalmente é onde os governos aplicam mais recursos financeiros, sem que se possa identificar, na maior parte das vezes , um retorno em termos de mudança dos níveis de saúde da população como um todo (Lalonde, 1974).
Essa concepção parte, assim, do reconhecimento de que o adoecimento e a vida saudável  não dependem unicamente dos aspectos físicos ou genéticos, mas são influenciadas pelas relações sociais e econômicas que engendram formas de acesso à alimentação, à educação, ao trabalho, renda, lazer e ambiente adequado, entre outros aspectos fundamentais para a saúde e a qualidade de vida.Tem como principal atributo uma abordagem mais abrangente e integrada dos quatro grupos, permitindo a inclusão de todos os diversos campos de responsabilidade pelas questões de saúde, como autoridades (dentro e fora do setor saúde), pacientes, profissionais de saúde, proporcionando , ainda, uma análise interativa do impacto de cada grupo em um determinado problema de saúde.
Como causas subjacentes à mortalidade por acidentes de trânsito, por exemplo, podem-se considerar os riscos assumidos pelos indivíduos (como não usar cinto de segurança, dirigir alcoolizado, em velocidade excessiva), os riscos socioambientais (como a pavimentação das ruas, a manutenção de semáforos, sinalizações) e os riscos decorrentes da qualidade da organização de serviços de saúde (disponibilidade de serviços de emergência e unidade de terapia intensiva (UTI), para os primeiros cuidados). Note-se que o grupo de fatores biológicos não está considerado no presente exemplo.
Essa abordagem permite definir políticas voltadas para a diminuição da mortalidade por acidentes de trânsito e que inclui ações de prevenção primária, secundária e terciária, orientando os diversos agentes responsáveis por sua implementação   governo, sociedade.
Os quatro grupos de determinantes podem ser analisados como resultantes de um acúmulo histórico de interações recíprocas, em que a dominância de cada um deles, no tempo, leva a uma previsão de futuras vantagens ou desvantagens ( Blane , 1999).Por exemplo , o prognóstico de vida de crianças nascidas no sertão nordestino difere  do prognóstico de crianças de classe média alta, nascidas na cidade de São Paulo – a esperança de vida  de uma criança nascida na região Nordeste, em 2000, era de 65,8 anos, enquanto a de uma criança nascida na região Sudeste  era de 69,6 anos. Experiências de má nutrição na infância, baixo aprendizado escolar, trabalho infantil, trabalho adulto sub-remunerado e outros condicionantes consistem em acúmulo de desvantagens que podem conduzir a um estado de saúde de maior precariedade.
A dinâmica dessas relações entre os determinantes da saúde-doença caracteriza o perfil sanitário de uma população e, conseqüentemente, deve alimentar a implementação de políticas públicas de saúde como políticas de promoção, prevenção, cura e reabilitação.”


Para refletir, amigo(a):
Identifique no Plano Municipal de Saúde do seu município uma doença de alta prevalência, ou em sua área de atuação, e analise seus determinantes sociais.

1-Políticas e Sistema de Saúde no Brasil – Lígia Giovanella, Sarah Escorel, Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato, José Carvalho de Noronha e Antôno Ivo Carvalho : Organizadores – FioCruz e Cebes.
Antonio Ivo de Carvalho e Paulo Marchiori Buss



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