· Interesses e Necessidades de saúde da população
Nas postagens anteriores tentei trazer um pouco dos saberes a respeito do conceito de complexidade, segundo Morin, e relativos aos Paradigmas da Atual Administração Pública, sob a ótica de pesquisadores da área, visava com isto, fixar um pano de fundo para o leitor, de onde se desenrola o “território complexo e arenas institucionais” existentes no SUS.
A partir de agora, ainda no ramo Gestão Centrada no Cidadão, do Decreto regulamentador da Lei 8080, entro no sub-ramo Interesses e Necessidades de saúde da população do nosso Mind Map (Mapa Mental).
Antes de especificar melhor o que abrange este conceito, é necessário falarmos em conceitos que irão influenciar a definição do mesmo:
· IGUALDADE e EQÜIDADE1
“As diferenças históricas flagrantes entre pobres e ricos, têm, progressivamente, cedido lugar, nas sociedades ocidentais modernas, a formas mais sutis de desigualdades. Nessas sociedades, independentemente do grau de desenvolvimento, as desigualdades passam a assumir a forma de diferenciais relativos entre indivíduos situados em distintas posições sociais na organização social.
Evidentemente, nos países muito pobres a pobreza absoluta continua sendo fundamental na determinação dos diferenciais sociais. Entretanto, nos emergentes, como o Brasil, as desigualdades relativas, não apenas na Renda, mas nas demais condições de vida, adquirem importância crescente, sem que as diferenças absolutas deixem de ser importantes. Nesses países o crescimento da economia é marcado pela maior segregação onde convivem situações polares de afluência e pobreza, principalmente nos grandes centros metropolitanos, determinando assim a convivência dos dois tipos de desigualdades: o absoluto e o relativo.
O princípio da igualdade tem base no conceito de cidadania, segundo o qual todos os indivíduos são iguais, tendo, portanto, os mesmos direitos. Mas igualdade não é o mesmo que eqüidade.Esta incorpora em seu conceito algum valor de justiça.
Por outro lado, nem toda a desigualdade constitui iniqüidade no sentido de injustiça. A iniqüidade pode ser considerada como uma “desigualdade injusta”, que poderia ser evitada, daí sua importância para os tomadores de decisão.
Castellanos, por exemplo, considera que as desigualdades em saúde são as desigualdades redutíveis, isto é, desnecessárias, vinculadas às condições heterogêneas de vida.
O princípio da eqüidade reconhece que os indivíduos são diferentes entre si e, portanto, merecem tratamento diferenciado, de modo a eliminar/reduzir as desigualdades existentes. Assim, indivíduos pobres necessitam de uma parcela maior de recursos públicos que ricos. ”Rawls (1995) desenvolve um critério para caracterizar a “desigualdade justa” inerente a equidade: o tratamento desigual é justo quando é benéfico ao indivíduo mais carente” (Rawls, apud Medeiros, 1999, p.04).
O critério desenvolvido por Rawls é conhecido como axioma de Maximin. Este axioma critica a noção utilitarista, na qual a justiça de uma alocação é função da soma das utilidades dos indivíduos envolvidos.
Para o utilitarismo, entre as diversas alocações possíveis é preferida aquela que maximiza as utilidades individuais. Segundo Rawls, no seu axioma, a soma das utilidades individuais é substituída por uma regra baseada na hierarquia de condições dos indivíduos, sendo considerada justa a alocação que tenha a capacidade de aumentar o nível de utilidade do indivíduo em piores condições.
Como a utilidade é uma medida subjetiva, as vezes é bastante difícil empregá-la para direcionar decisões distributivas.Para resolver esta questão considera-se utilidade como equivalente a consumo.
Desta forma os gestores de política podem comparar os indivíduos sem conhecer suas utilidades, e sim conhecendo uma proxy delas, que é o consumo.
Esta idéia é de certa forma utilizada neste trabalho, pois não se sabe ao certo a utilidade do consumo de serviços médicos hospitalares, entretanto se conhece a oferta e utilização destes serviços, daí a importância em identificar a estrutura de desigualdades dos modelos de oferta de saúde público ou privados.
É importante distinguir o conceito de equidade em saúde do conceito de equidade no uso dos serviços de saúde.
Os determinantes das desigualdades em saúde não são os mesmos das desigualdades no consumo de serviços de saúde, como também a equidade no uso dos serviços de saúde não resulta, necessariamente, em equidade na situação de saúde.
Os determinantes das desigualdades em saúde estão relacionados a fatores2:
· “Ambientais: fatores físicos, químicos, biológicos do ambiente que atuam como determinantes de agravos à saúde;
· Sócio-Econômicos e Demográficos: características demográficas e socioeconômicos, contextuais e dos indivíduos, relacionadas com a produção de agravos à saúde;
· Comportamentais e biológicos: atitudes, práticas, crenças, comportamentos, bem como fatores biológicos individuais, que condicionam/predispõem/influenciam a ocorrência de agravos à saúde”.
Os fatores acima estão inseridos na complexidade de nossa sociedade pós-moderna e atuam muitas vezes de forma contraditória na produção e ocorrência dos agravos à saúde.
“Para Medeiros(1999), igualdade e equidade fundamentam, respectivamente, estratégias de universalização e de focalização.
A adoção de uma ou outra estratégia produzirá implicações distintas na estrutura de desigualdades da sociedade, no custo de implementação e no controle das políticas públicas.
A separação entre aqueles princípios não se dá na distinção de direitos entre os indivíduos, já que todos tem igualdade de direitos em ambas as óticas.No caso brasileiro, como já mencionado, esse direito é assegurado pela Constituição.
A separação ocorre na forma como esse direito é atendido, o que resulta em perspectivas diferentes em relação a regras distributivas (Medeiros 1999).
Exemplificando:
A satisfação de algumas necessidades, como a alimentação, é crítica para a existência humana. Vale dizer que todos os indivíduos são iguais perante esta necessidade básica “natural”.
Se não há diferenciação das necessidades, o princípio da igualdade, em um entendimento literal, justificaria uma política pública de distribuição universal de “cestas básicas”. O relevante, porém, não é a necessidade em si mesma, mas a (im)possibilidade de satisfazê-la .É essa possibilidade que determina a elegibilidade de uns, os mais pobres, e não todos, como público-alvo dessa política pública.
Entretando, quando se trata de atenção à saúde, a escolha de quem deve merecer a atenção do estado não é tão óbvia. Neste caso a opção de muitos países – de diferentes regimes políticos – por sistemas de saúde universais está amparada nos seguintes fatores principais.
i. As imperfeções do mercado;
ii. A impossibilidade de a população em geral (ou sua grande maioria) custear diretamente todos os serviços que necessita;
iii. As dificuldades operacionais em discriminar quem pode de quem não pode se valer do mercado e em que situações; e
iv. A existência de externalidades positivas geradas pela presença dos estratos mais afluentes nos serviços públicos de saúde. A maior capacidade de pressão desse segmento beneficia também os mais pobres.Como disse Lord Beveridge, justificando o NHS, sistema público de saúde britânico, universal e gratuito, “políticas que são exclusivas para pobres, são políticas pobres”. No Brasil uma das razões para a distribuição gratuita de medicamentos para portadores de HIV ser considerado, inclusive internacionalmente, um programa bem sucedido, parece estar no fato de a clientela desses programas ser composta por diferentes estratos sociais.
A Constituição de 1988, ao tratar da questão da saúde de forma ampla e abrangente – pela primeira vez na história – considera saúde como “direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
O entendimento literal do princípio constitucional da igualdade na saúde está presente em situações como a vedação de preconceitos ou privilégios (Lei 8080/90, artigo 7º, IV), gratuidade do atendimento (Art.43º ) e, mais recentemente, na institucionalização do Piso Assistencial Básico (per capita federal único) e na lista nacional de transplantes.Nesta, a prioridade é dada – exclusivamente – pela ordem na fila de espera sem qualquer concessão a outras variáveis, subjetivas, como a urgência do caso ou mesmo objetivas como a idade do paciente.
Em outras políticas, contudo, sem desatender a diretriz da igualdade de acesso como direito, parece prevalecer o conceito de equidade – igual acesso para igual necessidade – não codificado na legislação, mas que é , aparentemente, o pensamento predominante entre os formadores de opinião.De fato, embora não explicitado na Constituição”, atualmente, após 22 anos, temos pelo Decreto No 7.508, de 28 de Junho de 2011, o qual regulamenta a Lei No 8080 de 19 de setembro de 1990, a expressão da equidade do acesso explicitada:
“Artigo 11. O acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e deve ser fundado na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo e no critério cronológico, observadas as especificidades previstas para pessoas com proteção especial, conforme legislação vigente.
Parágrafo Único. A população indígena contará com regramentos diferenciados de acesso, compatíveis com suas especificidades e com a necessidade de assistência integral à sua saúde, de acordo com disposições do Ministério da Saúde.
Artigo 13. Para assegurar ao usuário o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS, caberá ao entes federativos, além de outras atribuições que venham a ser pactuadas pelas Comissões Intergestores:
I. Garantir a transparência, a integralidade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde;
II. Orientar e ordenar os fluxos das ações e dos serviços de saúde;
III. Monitorar o acesso às ações e aos serviços de saúde; e
IV. Ofertar regionalmente as ações e os serviços de saúde.
Artigo 14. O Ministério da Saúde disporá sobre critérios, diretrizes, procedimentos e demais medidas que auxiliem os entes federativos no cumprimento das atribuições previstas no artigo 13.”
Abaixo segue exemplo de trabalho pioneiro no Rio de Janeiro, na época sob Coordenação do meu filho, em relação à população em situação de rua, agindo em termos de proteção social e realizando pelo menos a equidade em relação ao acesso aos serviços de saúde:
Publicação em Jornal Comunitário do Rio:Vozes da Comunidade
No seu município, existe experiência similar?
1-Medindo as Desigualdades em Saúde no Brasil: Uma proposta de Monitoramento – André Nunes, James Richard Silva Santos, Rita Barradas Barata e Solon Magalhães Vianna- OPAS, OMS e IPEA.
1-Medindo as Desigualdades em Saúde no Brasil: Uma proposta de Monitoramento – André Nunes, James Richard Silva Santos, Rita Barradas Barata e Solon Magalhães Vianna- OPAS, OMS e IPEA.
Proteção Social: é a garantia de inclusão a todos os cidadãos que encontram-se em situação de vulnerabilidade e/ou em situação de risco, inserindo-os na rede de Proteção Social local. A Proteção Social é hierarquizada em Básica e Especial.
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